quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Invisibilidade, Alienação e Violência

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Acabo de ler "A pergunta que não quer calar", publicado pelo educador  e colega Declev Dib Ferreira, em seu blog Diário do Professor, que mais uma vez, relata o cotidiano da sala de aula. Identificando-me com a situação descrita no artigo, escrevi este comentário:

“Atualmente, tenho a impressão que lecionamos para portadores de Alzheimer, tal a falta de memória dos alunos. Parece que ninguém retém mais nada na memória e o ato de raciocinar, a cada momento, se torna mais difícil para os jovens. O que podemos esperar de uma geração que está abandonando o uso do raciocínio, que se recusa a pensar e não tem a menor noção do que seja uma reflexão? Na semana passada e ontem, vivenciei situações em que jovens matriculados na 1ª e 2ª séries do Ensino Médio, desconheciam o significado das palavras “influência” e “tecnologia” e diante da dificuldade não tiveram a iniciativa de buscar o significado destas expressões em um dicionário. “

Após o envio do comentário, deixei o computador e fui preparar o meu almoço, pois apesar da nossa invisibilidade em sala de aula, continuamos sendo seres reais com necessidades reais. Confesso que o a situação descrita pelo Declev, continuou a rodar na minha cabeça e deixei as panelas no fogo (espero que não queimem) e voltei para escrever este artigo, ou melhor, continuar o comentário que virou artigo.

No momento que começo a escrever, começo a ouvir ao longe um intenso tiroteio, moro no Andaraí e o som esta vindo do morro dos Macacos, o trânsito está parado e os tiros continuam, se fosse à noite, da janela de minha biblioteca consigo ver o balé das balas traçantes no horizonte ... peculiaridades da ex- cidade maravilhosa. Não deve ser muito grave, pois o caveirão aéreo, o helicóptero blindado da Polícia Militar, ainda não apareceu. Dou graças a Deus por meu irmão ter cancelado a visita agendada para hoje, pois ele estaria chegando à essa hora. Vou ter que esperar a situação se acalmar para ir ao banco, espero que até as 15 horas tudo fique calmo. Ligo a televisão, pois a emissoras cariocas na corrida por audiência não perdem a cobertura dessas batalhas, deixo no volume alto e volto a me concentrar no texto, pois o meu apartamento fica fora da linha de tiro e não corro perigo de ser alvejada por uma bala perdida ... Continuando o artigo:

É comum escrevermos instruções na lousa, explicá-las verbalmente e os alunos continuarem nos perguntando, pois não assimilaram a informação dada oralmente e reforçada por escrito. Nem mesmo as instruções básicas, colocadas junto ao cabeçalho das provas (responder a caneta, não rasurar) são lidas. Poucos são os que escrevem o próprio nome completo e com letras maiúsculas, a grande maioria insiste em fazer provas a lápis e mesmo depois de 3 meses, ensinando a cada aula a consultar o índice do livro didático, somente alguns agora conseguem realizar essa operação.

Tenho uma colega que desenvolveu uma teoria interessante para explicar esse fenômeno, segundo ela a nossa juventude está estagnada no plano do instinto e as únicas atividades importantes são o sono, a comida e o sexo, todo o resto é irrelevante. O raciocínio, a lógica, a memória e a sensibilidade encontram-se em estado de atrofia. O olhar sempre preso ao celular à espera do contato do (a) parceiro (a), a boca ocupada com um pirulito consumido em movimentos sensuais, os ouvidos bloqueados pelo funk ensurdecedor do mp-número-tal. As garotas usam maquiagem pesada, a toda hora retocam os lábios permanentemente umedecidos com gloss, as cabeças se movimentam constantemente para exibir provocantemente os cabelos e os rapazes para atrair a atenção das suas parceiras se esmeram na agressividade enquanto nós, professores e professoras invisíveis tentamos acordá-los e trazê-los para a realidade.

Os tecnólogos de plantão e os lobistas do “educacional-business” continuam batendo na tecla da falta de preparo dos professores e do arcaísmo da escola, insistindo na superioridade mental dessa nova geração expert em tecnologia, baseada na minha experiência profissional e no meu conhecimento na área de informática, afirmo que isso é um mito, uma farsa e um embuste, que só convence ao docente que não tem conhecimentos em informática.

Há cinco anos, venho elaborando projetos envolvendo todos os recursos da informática e todas com todas as novidades: celulares, câmeras digitais sem deixar de incluir MSN, Orkut e Twitter, aulas totalmente informatizadas e interativas e de blogs criados para os alunos, os resultados são nulos e não há a reação garantida pela propaganda. Volto a repetir, essa farsa só se sustenta porque ainda é pequeno o numero de docentes que dominam a tecnologia.

Os que conhecem sabem que grande parte dessa geração, seja aluno da rede pública ou privada,  não domina um editor de texto, um PowerPoint e não consegue nem mesmo fazer uma pesquisa na Internet. Passam horas no computador, conversando com os amigos,  jogando e visitando sites pornôs. Um estudo realizado pela USP, recentemente, comprovou a queda do rendimento escolar dos estudantes usuários de computador. Estudos na área da medicina apontam inúmeros problemas, tais como obesidade, transtornos do sono e problemas de visão relacionados com o uso sem limite dos computadores, sem falar na perda de audição causada pelo uso dos headphones.

Parece que ninguém, até o presente momento, se lembrou de relacionar o aumento dos crimes com armas de fogo aos jogos de computador, esquecendo-se que eles são simuladores que condicionam os reflexos, vide a eficácia dos mesmos para o treinamento de pilotos, um individuo que desde criança se acostumou a atirar e matar no mundo virtual, age instintivamente pelo reflexo em situações reais e se estiver armado, vai atirar para resolver um situação de conflito, da mesma forma que pisca os olhos . Matar deixou de ser um ato incomum, é um ato banalizado cotidianamente no mundo virtual.

É o instinto e não a razão que norteia as ações.  No Youtube e no Twitter diariamente adolescentes exibem as suas performances sexuais e fazem apologia da força bruta nos videos que registram as brigas violentas travadas, quase sempre no ambiente escolar.

São 12h e 35 minutos, acabei de escrever o artigo, o silêncio agora é geral, o transito continua parado, nem o caveirão nem os helicópteros das redes de TV estão sobrevoando o morro dos Macacos, o arroz que deixei no fogo, pegou um pouco na panela, mas o feijão não teve tanta sorte. Mudança de cardápio, arroz chamuscado com sardinha em lata e salada de tomate... Até o momento ainda não sei o que aconteceu e preciso ir ao banco, pois com salário-de-professor-do-rio-de-janeiro (regionalismo da expressão salário-de-professor-de-minas criada pelo colega Euler Conrado educador e blogueiro) não posso nem pensar em pagar multa por atraso de pagamento do meu cartão de crédito.

Estou postando o artigo no blog, quando ouço a TV, ligada no Balanço Geral, a chamada para uma reportagem sobre a violência nas escolas, corro para a sala. Imagens de uma briga entre alunos em uma escola de Minas, na seqüência uma aluna desta escola dá uma entrevista falando que os professores e inspetores têm medo de separar as brigas pois eles apanham direto quando tentam fazê-lo. A seguir vem a entrevista com a educadora Eliana da Cunha Lemos, professora carioca da rede municipal que exibe uma das mãos aleijadas, em off, enquanto a imagem das radiografias de suas mãos são mostradas expondo as fraturas, ela conta que foi agredida por um aluno durante a aula, quando pediu ao mesmo que desligasse e guardasse o mp3.

O silêncio da rua permanece opressivo e até o momento continuo sem saber vou poder sair para ir ao banco. Escapei até o momento da violência em sala de aula, mas corro o risco de ver o meu magro orçamento ser atingido pela violência das ruas.

Infelizmente para a violência estamos bem visíveis!

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto!
    Você teve uma habilidade incrível e conseguiu dizer, de forma envolvente, o que a maioria de nós, professores das diversas regiões do país, pensamos.
    Abraços,
    Cida

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