domingo, 14 de outubro de 2012

15 de Outubro – comemorar o quê?

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Luiz Eduardo Farias

Hoje é o meu dia! Deveria estar feliz, não é? Mas não tenho tantas razões para comemorar. Muitos dizem que ser professor atualmente é ser herói, daqueles que mata um vilão pior do que outro, dia após dia. E o pior é que esta imagem do professor-herói nos remete ao senso comum de que a profissão é quase um sacerdócio.

Lembro-me bem do primeiro dia como professor. Uma colega bem experiente me chamou em um canto e falou baixinho: “Olha, se você está aqui pelo emprego não vai dar certo. Isso aqui é um chamado!”. Seis anos depois eu já compreendo bem o discurso por trás desta ideia. Assim como um religioso que aceita seu destino de servir ao santo dever de propagar a doutrina divina, o professor deve também aceitar o seu fardo. Sim, pois é uma dádiva atender a um chamado, mas junto dele vêm as provações. O professor que recebe tal “dom” deve se contentar com essa situação e, silenciosamente, cumprir o seu destino.

Colegas, esqueçam toda essa conversa. Somos profissionais e devemos ser tratados como tal. E mais, me chame de professor e não de educador. Chega de aceitar os problemas como se fossem naturais do ofício. Chega de acumular funções para as quais não devemos exercer. Pergunte a um engenheiro se ele decora a casa depois de pronta ou usa o martelo para reparar um defeito durante a obra. Indague se um ortopedista faz um raio X e depois engessa um membro contundido do seu paciente. Por que nós, professores, temos que ser múltiplos? Por que temos que ser psicólogos para tratar dos traumas dos nossos alunos? Por que devemos ser policiais para resolver os conflitos dentro da escola? Por que devemos ser médicos para cuidar de uma criança adoecida na sala de aula? Por que devemos ser secretários e secretárias para preencher os inúmeros papéis da burocracia nojenta que nos impõem? Por que devemos ser pai e mãe dos discentes que não tem a mínima educação em casa? Enfim, no circo escolar, estamos sendo malabaristas, trapezistas, mágicos e, sobretudo, palhaços.

Não temos nada para comemorar, porém muito o que refletir. Somos nós que reforçamos estas imagens na medida em que aceitamos como bons cordeiros os mais diversos papéis que nos são jogados. Muito mais do que aumento de salário eu quero ser RESPEITADO. Quero ser tratado como um profissional do ensino. O restante surge como consequência desta visão.

Professores, hoje é o dia de deixar guardada a roupa de herói e a batina de sacerdote. Não, melhor do que isso – rasgue-a! O cenário atual beira ao intolerável. A sensação que temos é que nossa condição de trabalho piora a cada ano. Sou um pouco pessimista e acho que ainda vai ficar mais crítico, até que o caos exija uma mudança. Até lá, o que eu e você podemos fazer é, amanhã, aparecer na escola com nossa roupa “normal” e gritar para todos – RESPEITO, SOU UM PROFISSIONAL!

Fonte: http://profluizeduardofarias.blogspot.com.br/

sábado, 13 de outubro de 2012

PARECE QUE TODO CASTIGO PRA PROFESSOR(A) É POUCO ...

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Como se não bastassem as péssimas condições de trabalho; a ínfima remuneração; a violência e o desrespeito por parte dos alunos, gestores, governantes e a campanha promovida pela da mídia mercenária temos mais uma frente de batalha no universo virtual.

Sites, blogs e jogos estimulam e ensinam aos estudantes e as suas famílias como nos agredir, desrespeitar e denunciar.

Os docentes da rede pública são os alvos, preferenciais, da cruzada raivosa promovida pelo  Movimento de Olho na Escola Pública, coordenado por Mauro A. Silva e pelo  blog Cremilda Dentro da Escola, da dona de casa Cremilda Estella Teixeira. A bandeira de luta destes dois paladinos  é a qualidade da educação pública. Atacam, moderadamente, o poder público reservando para os docentes a maior cota da responsabilidade pelo atual caos da escola pública incitando a população contra a categoria.

O Movimento de Olho na Escola Pública em seu site Portal do Movimento Coep  disponibiliza a Cartilha “Como Educar Meu Professor – Em 10 Lições”, que segundo o autor “ foi idealizada por termos identificado que a maior parte dos professores são mal educados, mal formados e muito “folgados”…”. Após essa introdução ele prossegue: “A nossa orientação para alunos, mães, pais e comunidades é para que eduquem seus professores, destacando o seguinte:
  1. Escola não é segunda casa e nem segunda família. Diga isso para o seu professor.
  2.  Professor não é “amigo do aluno”… professor não é 2º pai do aluno… professor não é 2ª mãe do aluno!!! Diga isso para o seu professor.
  3. Professor e professora são profissionais pagos com o dinheiro de todos… professor é pago com o nosso dinheiro… Diga isso para o seu professor.
  4. Professor não é santo abnegado. Aqui em SP, o piso salarial é de R$ 1.500,00 para uma jornada de 40 horas semanais… Diga isso para o seu professor.
  5. Professor não é coitadinho. Tem muito político que tem parente vendendo aulas em escolas públicas. Mas é raro encontrar um deputado que tenha filho, neto ou sobrinho estudando em escola pública. Estes políticos votam projetos pensando única e exclusivamente no bem- estar dos seus parentes professores… Os alunos que se danem ... Diga isso para o seu professor.
  6. Professor deve ser avaliado diariamente. Exija frequência diária. Exija que ele preste todo o tipo de esclarecimento. Cobre-lhe participação em todas as atividades da comunidade escolar… Diga isso para o seu professor.
  7. Exija que seu professor o chame pelo nome.. Professor que não sabe o nome do aluno não tem condições de educá-lo… Diga isso para o seu professor.
  8. Criança e adolescentes são prioridades absolutas. Escola só deve existir se for para garantir o direito do aluno à educação de boa qualidade. Professor não é prioridade absoluta! Diga isso para o seu professor.
  9. Professor, funcionário e direção escolar devem respeitar alunos, mães pais e comunidade. O respeito é um dever, e não uma opção. Diga isso para o seu professor. 
  10. Toda obrigação deve estar diretamente relacionada a uma punição quando houver omissão. Professor responde pelos abusos e omissões em conformidade com o Estatuto do Magistério e até mesmo com o Código Penal. Professor que não ensina deve ser sempre denunciado. Não devemos “passar a mão na cabeça” de maus profissionais. Diga isso para o seu professor.
Uma educação pública de boa qualidade exige professores bem educados. Já que os governantes e os políticos não educam nossos professores, os alunos, as mães, os pais e a comunidade devem assumir o compromisso público de educar nossos professores." 

No blog  Cremilda Dentro da Escola encontramos pérolas do tipo:

“Sabemos que os professores incitam os pais a violência contra seus filhos. Responsabilizam os pais pelo fracasso da escola.” / “Temos sempre recomendado aos pais que fiquem do lado dos seus filhos mesmo quando eles erram. Não do lado do erro, mas do lado do filho para que aprenda que errar é humano e errando também se aprende.” (in http://cremildadentrodaescola.wordpress.com/2012/03/28/em-londrina-pai-humilha-filho-pelo-jornal-para-mostrar-que-e-pai-presente-e-agradar-a-professora/)

Para ela o(a) aluno(a) tem sempre razão, mesmo que agrida, mate ou estupre nunca deve ser punido, pois a culpa é sempre do(a) professor(a). No entender da Cremilda foram os professores que transformaram a aprovação continuada em “aprovação automática". Além do blog, Cremilda destila seu ódio contra a categoria em comentários nos jornais e em vídeos no  YOUTUBE como a   Melô da Professora Gananciosa , Alunofobia, entre outros.

Já o EscolaSemPartido.org, criado pelo advogado Miguel Nagib - inspirado em movimentos norte-americanos como o Students for a Academic Freedom e Noindoctrination.org - tem como finalidade lutar “pela descontaminação e desmonopolização política e ideológica das escolas” . Ao entrar neste site, temos a impressão que voltamos aos anos de chumbo da ditadura, lá se encontra censura a livros didáticos, bibliografias, conteúdos programáticos, provas de vestibular, material didático, etc.;  instruções e incentivo para os estudantes denunciarem os professores que praticam a “doutrinação política e ideológica” em sala de aula:

"Na dúvida, não se precipitem. Anotem os episódios, os conteúdos e as falas mais representativas da militância política e ideológica do seu professor. Anotem tudo o que possa ser considerado um abuso da liberdade de ensinar em detrimento da sua liberdade de aprender. Registrem o nome do professor, o dia, a hora e o contexto. Sejam objetivos e equilibrados. Acima de tudo, verazes. E esperem. Esperem até que esse professor já não tenha poder sobre vocês. Esperem, se necessário, até sair da escola ou da faculdade. Não há pressa.

Quando estiverem seguros de que ninguém poderá lhes causar nenhum dano, DENUNCIEM a covardia de que foram vítimas quando não podiam reagir.

Façam isso pelo bem dos estudantes que estão passando ou ainda vão passar pelo que vocês já passaram. É um serviço de utilidade pública." (in http://www.escolasempartido.org/planeje-sua-denuncia)

Na seção Flagrando o Doutrinador , há uma espécie de manual para o aluno(a) identificar o professor doutrinador:

“Você pode estar sendo vítima de doutrinação ideológica quando seu professor:

  • e desvia frequentemente da matéria objeto da disciplina para assuntos relacionados ao noticiário político ou internacional;
  • adota ou indica livros, publicações e autores identificados com determinada corrente ideológica;
  • impõe a leitura de textos que mostram apenas um dos lados de questões controvertidas;
  • exibe aos alunos obras de arte de conteúdo político-ideológico, submetendo-as à discussão em sala de aula, sem fornecer os instrumentos necessários à descompactação da mensagem veiculada e sem dar tempo aos alunos para refletir sobre o seu conteúdo;
  • ridiculariza gratuitamente ou desqualifica crenças religiosas ou convicções políticas;
  • ridiculariza, desqualifica ou difama personalidades históricas, políticas ou religiosas;
  • pressiona os alunos a expressar determinados pontos de vista em seus trabalhos;
  • alicia alunos para participar de manifestações, atos públicos, passeatas, etc.;
  • permite que a convicção política ou religiosa dos alunos interfira positiva ou negativamente em suas notas;
  • encaminha o debate de qualquer assunto controvertido para conclusões que necessariamente favoreçam os pontos de vista de determinada corrente de pensamento;
  • não só não esconde, como divulga e faz propaganda de suas preferências e antipatias políticas e ideológicas;
  • omite ou minimiza fatos desabonadores à corrente político-ideológida de sua preferência;
  • transmite aos alunos a impressão de que o mundo da política se divide entre os “do bem” e os “do mal”;
  • não admite a mera possibilidade de que o “outro lado” possa ter alguma razão;
  • promove uma atmosfera de intimidação em sala de aula, não permitindo, ou desencorajando a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus;
  • não impede que tal atmosfera seja criada pela ação de outros alunos;
  • utiliza-se da função para propagar ideias e juízos de valor incompatíveis com os sentimentos morais e religiosos dos alunos, constrangendo-os por não partilharem das mesmas ideias e juízos."
Conservador e elitista, o movimento EscolaSemPartido.org está focado na manutenção dos princípios ideológicos da classe média alta e da elite, lutando para impedir que a juventude pertencente a esses segmentos não seja “contaminada”. Entre os articulistas preferidos do encontramos as figuras mais expressivas da extrema direita mais radical e do conservadorismo: Reinaldo Azevedo, Ali Kamel, Miguel Reale, Olavo de Carvalho, Demóstenes Torres, etc.

Até no mundo dos games somos apresentados como vilões que devem ser perseguidos e punidos. Aprontar com a professora, é um jogo destinado ao público infantil, que incentiva aos alunos a se vingar da professora atirando objetos em sua cabeça. Esse jogo já foi tema de duas postagens aqui no blog, clique nos links abaixo para aqui para acessá-los: http://soseducaopblica.blogspot.com.br/2010/05/professora-vira-alvo-de-jogo-em-sala-de.html e http://soseducaopblica.blogspot.com.br/2010/07/jogo-ensina-e-estimula-violencia-e.html.

Além dos exemplos acima citados, existe muito mais material na Internet  incitando o ódio, o desrespeito e a violência contra os docentes. É grande a campanha para nos desacreditar e restringir a nossa autonomia. Estão reeditando a caça às bruxas em pleno século XXI, e são os docentes que estão sendo queimados, por enquanto, em esfinge, nas fogueiras acesas pelo ódio irracional desses neo-inquisidores.

Acredito que tudo isso seja a expressão de desespero daqueles que temem uma sociedade igualitária e desejam manter o monopólio do conhecimento, restrito, à minoria dominante associados aos  grandes grupos midiáticos que querem a privatização da educação por razões econômicas e também ideológicas. Esses pseudos defensores da educação estão a serviço de todas as forças que historicamente vem se mantendo à custa da ignorância da população e temem por seu futuro, já que suas bases estão sendo ameaçadas pela universalização da educação, que apesar da baixa qualidade, é um fato irreversível.

Não devemos nos intimidar com essa perseguição e nem nos sentir desprestigiados, pois como diz o ditado popular: “ninguém chuta cachorro morto”. Nós somos o incômodo fermento da liberdade e da igualdade, um perigo e uma ameaça aos poderosos, considerando os altos investimentos e a intensidade do ódio dos nossos detratores.

Não se sinta desvalorizado e nem acredite que o nosso trabalho é sem valor e que não há solução para os problemas da educação pública. A sala de aula é a nossa trincheira de luta e essa é uma batalha que vem sendo travada desde a antiguidade. Mesmo sem qualidade, mutilada pelo experimentalismo alucinado promovido pela ganância e incompetência dos atuais gestores, que não estão poupando criatividade nem investimentos para destruí-la, o fato é que a educação pública está vencendo este embate histórico e a sua universalização é um fato irreversível, daí todo esse desespero.

Lembre-se que melhoria da qualidade da escola pública é crucial para a sobrevivência do sistema capitalista e a manutenção da ignorância encontra-se em xeque-mate.

Desejo a todos os valentes guerreiros e guerreiras que heroicamente estão nas salas de aula trabalhando e lutando por um mundo melhor que não desistam.


Parabéns pelo DIA DO PROFESSOR!

A LUTA CONTINUA!


quarta-feira, 10 de outubro de 2012

SERÁ VÁLIDO CRIAR UMA DEPENDÊNCIA QUÍMICA PARA MELHORAR AS NOTAS?

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Estudantes pobres nos EUA tentam melhorar notas com remédio para deficit de atenção

ALAN SCHWARZ

NEW YORK TIMES', EM CANTON, GEÓRGIA


Quando o médico Michael Anderson fica sabendo que seus pacientes de baixa renda estão enfrentando dificuldades na escola primária, geralmente lhes receita um medicamento forte: Adderall.

Os comprimidos aumentam a atenção e o controle de impulsos de crianças que apresentam transtorno de déficit de atenção com hiperatividade. Embora o TDAH seja o que Anderson diagnostica, ele descreve o transtorno como "inventado", dizendo que não passa de uma desculpa para receitar pílulas para tratar o que ele vê como sendo o verdadeiro mal das crianças: desempenho acadêmico fraco em escolas inadequadas.

"Não tenho muita escolha", disse Anderson, que é pediatra e atende muitas famílias pobres no condado de Cherokee, ao norte de Atlanta (EUA).

"Nós, como sociedade, decidimos que custa caro demais modificar o ambiente da criança. Logo, temos que modificar a criança."

Anderson é um dos proponentes mais francos de uma ideia que vem suscitando interesse entre alguns médicos. Eles estão prescrevendo estimulantes a alunos que enfrentam dificuldades em escolas às quais faltam recursos. Prescrevem os medicamentos não necessariamente para tratar um TDAH, mas para favorecer o desempenho acadêmico dos alunos.

Ainda não está claro se Anderson é representante de uma tendência crescente. Mas alguns especialistas observam que, enquanto estudantes ricos abusam de estimulantes para elevar suas notas já boas em faculdades e colégios, esses medicamentos vêm sendo usados com crianças do ensino básico, de famílias de baixa renda, que têm notas fracas e cujos pais estão ansiosos por vê-los ter aproveitamento escolar melhor.

"Nós, como sociedade, não nos dispomos a investir em intervenções não farmacêuticas muito boas para essas crianças e suas famílias", disse Ramesh Raghavan, pesquisador de serviços de saúde mental para crianças na Universidade de Washington e especialista no uso de medicamentos vendidos com receita médica entre crianças de baixa renda. "Concretamente, estamos forçando psiquiatras que atuam nas comunidades locais a usar a única ferramenta da qual dispõem: os medicamentos psicotrópicos."

A psiquiatra infantil Nancy Rappaport, de Cambridge, Massachusetts, que trabalha com crianças de renda mais baixa e suas escolas, acrescentou: "Estamos vendo isso cada vez mais. Estamos usando uma camisa de força química em vez de fazer coisas que são igualmente ou até mais importantes."

Anderson diz que seu instinto é de um "pensador de justiça social", alguém que quer "nivelar o campo um pouco". Ele diz que as crianças com problemas acadêmicos que ele atende estão, basicamente, em desarmonia com seu ambiente --são peças quadradas que não se encaixam nos furos redondos do ensino público. Como suas famílias raramente têm meios para pagar por terapias de base comportamental, como aulas particulares e atendimento psicológico à família, a medicação, segundo ele, torna-se o modo mais confiável e prático de redirecionar o aluno no sentido do sucesso.

"Não dou a medicação a alunos que estão tirando notas boas", ele explicou. Para alguns pais, o medicamento traz grande alívio. Jacqueline Williams disse que não consegue agradecer Anderson o suficiente por diagnosticar TDAH em seus filhos --Eric, 15 anos, Chekiara, 14, e Samhya, 11-- e prescrever Concerta, um estimulante de ação prolongada, a todos. Williams disse que cada um deles estava tendo dificuldade em ouvir as instruções dos professores e concentrar-se na lição de casa.

"Meus filhos não queriam tomar o remédio, mas falei a eles: 'Essas são suas notas quando vocês estão tomando, e essas são de quando não estão', e eles entenderam", ela contou, observando que o Medicaid cobre quase todos seus custos com o médico e os medicamentos.

Alguns especialistas não veem grande problema no fato de um médico responsável usar medicamentos contra TDAH para ajudar um estudante em dificuldades. Outros --mesmo alguns dos muitos, como Rappaport, que são a favor do uso de estimulantes no tratamento do TDAH clássico-- temem que os médicos estejam expondo as crianças a riscos físicos e psicológicos não justificados. Alguns efeitos colaterais relatados dos medicamentos já incluíram a supressão do crescimento, aumento da pressão sanguínea e, em casos raros, episódios psicóticos.

O transtorno, que se caracteriza por desatenção e impulsividade graves, é um diagnóstico psiquiátrico cada vez mais comum entre crianças e adolescentes americanos: em 2007, considerou-se que cerca de 9,5% dos americanos de 4 a 17 anos tinham o transtorno, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, ou 5,4 milhões de crianças e adolescentes.

A prevalência relatada do transtorno vem subindo constantemente há mais de uma década, com alguns médicos satisfeitos com seu reconhecimento amplo, enquanto outros receiam que o diagnóstico e os medicamentos para tratar o transtorno estejam sendo dados pouco criteriosamente, de modo que exclui terapias não medicamentosas.

O DEA (órgão dos EUA que fiscaliza medicamentos) classifica esses medicamentos como substâncias controladas de nível dois, porque são criadores de dependência. Segundo muitos especialistas, ainda não se conhecem bem os efeitos de longo prazo do uso dos medicamentos por períodos extensos. Alguns deles temem que as crianças possam se tornar dependentes dos remédios até a idade adulta, muito depois de quaisquer sintomas do TDAH terem se dissipado.

De acordo com diretrizes publicadas no ano passado pela Academia Americana de Pediatria, os médicos devem empregar uma de várias escalas de classificação comportamental, algumas das quais incluem dezenas de categorias, para se certificar de que a criança se enquadra apenas nos critérios do TDAH e não apresenta outra condição relacionada, como a dislexia ou o transtorno desafiador opositivo, em que raiva intensa é dirigida contra figuras de autoridade.

Mas um estudo publicado em 2010 no "Journal of Attention Disorders" sugeriu que pelo menos 20% dos médicos disseram não seguir esse protocolo quando fazem seus diagnósticos de TDAH, sendo que muitos seguem seus instintos pessoais.

Na estante da cozinha da família Rocafort, de Ball Ground, Geórgia, ao lado da manteiga de amendoim e dos cubos de caldo de galinha, há uma cesta metálica repleta de remédios das crianças prescritos por Anderson: Adderall para Alexis, de 12 anos, e Ethan, 9; Risperdal (um antipsicótico para a estabilização de estados de ânimo) para Quintn e Perry, ambos de 11 anos; e Clonidine (um sonífero para contrapor-se aos outros medicamentos) para as quatro crianças, que o tomam todas as noites.

Quintn começou a tomar Adderall para o TDAH cinco anos atrás, quando seu comportamento rebelde na escola suscitou telefonemas para sua casa e suspensões. Ele imediatamente se acalmou e tornou-se um aluno mais atento e sério --um pouco mais como Perry, que também tomava Adderall para o TDAH.

Mas no início do turbilhão químico da puberdade, quando Quintn tinha cerca de 10 anos de idade, ele começou a envolver-se em brigas na escola, dizendo que outras crianças estavam insultando sua mãe. O problema era que isso não estava acontecendo; Quintn estava vendo pessoas e ouvindo vozes inexistentes, um efeito colateral raro, mas conhecido, do Adderall. Depois de Quintn admitir ter pensamentos suicidas, Anderson prescreveu uma semana num hospital psiquiátrico local e a mudança de Adderall para Risperdal.

Quando contaram a história, os pais de Quintn o chamaram e pediram para ele descrever por que o Adderall tinha sido receitado.

"Para me ajudar a prestar atenção na escola, fazer minha lição de casa, ouvir mamãe e papai e não fazer o que eu fazia antes com meus professores, que os deixava bravos", falou o garoto. Ele descreveu a semana que passou no hospital e os efeitos do Risperdal: "Se eu não tomo meu remédio, fico tendo atitudes. Fico desrespeitando meus pais. Sem o remédio eu não estaria como estou agora."

Apesar da experiência de Quintn com o Adderall, os Rocafort decidiram usar o remédio com sua filha de 12 anos, Alexis, e seu filho de 9, Ethan. Eles não apresentam TDAH, disseram seus pais. O Adderall é apenas para ajudá-los a ter notas melhores e porque Alexis estava, nas palavras de seu pai, um pouco "nem aí com nada".

"Já vimos os dois lados do espectro: vimos o lado positivo e o lado negativo", comentou o pai, Rocky Rocafort. Reconhecendo que Alexis usa o Adderall por motivos "cosméticos", ele disse: "Se eles estão se sentindo positivos, felizes, estão socializando mais e isso os está ajudando, por que não usar?"

O pediatra e neurologista pediátrico William Graf, que atende muitas famílias pobres em New Haven, disse que uma família deve ter o direito de decidir se o Adderall pode beneficiar seu filho que não tenha TDAH e que um médico pode eticamente prescrever o medicamento de modo experimental, desde que os efeitos colaterais sejam monitorados atentamente. Mas ele disse temer que o uso crescente de estimulantes desse modo possa colocar em risco a "autenticidade do desenvolvimento".

"Essas crianças ainda estão na fase de desenvolvimento. Ainda não sabemos como essas drogas afetam biologicamente o cérebro em desenvolvimento", ele explicou. "Os pais, médicos e professores têm a obrigação de respeitar a questão da autenticidade, e não sei se isso está acontecendo sempre."

Anderson disse que todas as crianças para as quais já receitou medicamentos para TDAH se enquadraram nos critérios. Mas ele critica esses critérios, dizendo que foram codificados apenas "para fazer algo completamente subjetivo parecer objetivo". Ele acrescentou que os relatórios dos professores quase invariavelmente voltam citando comportamentos que justificariam um diagnóstico, decisão que descreveu como sendo mais econômica que médica.

"A escola disse que, se tivessem outras ideias, investiriam nelas, mas que as outras ideias custam dinheiro e recurso, comparadas com medicamentos", disse Anderson.

Vários educadores contatados para este artigo consideraram o tema do TDAH tão controverso que se negaram a comentar; disseram que às vezes é feito uso equivocado do diagnóstico, mas que, para muitas crianças, o transtorno gera uma deficiência grave de aprendizado. O superintendente de um grande distrito escolar na Califórnia, exigindo anonimato para falar, observou que os diagnósticos de TDAH vêm aumentando à medida que as verbas para o ensino vêm diminuindo.

"É assustador pensar que chegamos a isso, que a falta de verbas para o ensino público que possibilitem atender as necessidades de todas as crianças levou a isso", disse o superintendente, aludindo ao uso de estimulantes por crianças que não apresentam o TDAH clássico. "Isso pode estar acontecendo aqui mesmo. Talvez não tão conscientemente, mas pode ser consequência de um médico que vê uma criança sendo reprovada em salas de aula superlotadas com 42 outras crianças, e os pais frustrados perguntando o que podem fazer. O médico diz 'talvez seja TDAH, vamos experimentar com a medicação'."

Quando foi informado que o casal Rocafort afirma que seus dois filhos que estão tomando Adderall não têm TDAH e nunca tiveram, Anderson disse estar surpreso. Ele consultou as fichas das crianças e encontrou o questionário dos pais. Cada categoria que avalia a gravidade dos comportamentos associados ao TDAH tinha recebido escore cinco (o máximo), com a exceção de uma, com escore quatro.

"Esse é o motivo de minha angústia", disse Anderson. "A gente afixa um rótulo a uma coisa que não é binária --você a tem ou não. Não dizemos simplesmente que há um aluno que está tendo problemas na escola, problemas em casa e que provavelmente vai tentar um tratamento médico, prescrito pelo médico com a concordância dos pais."

"Podemos não conhecer os efeitos de longo prazo do remédio, mas conhecemos os custos no curto prazo do fracasso escolar, que são reais. Eu olho para a pessoa individual e como ela está agora. Sou médico do paciente, não da sociedade."

Tradução de CLARA ALLAIN