quarta-feira, 31 de março de 2010

A GREVE DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO SOB O OLHAR DA MÍDIA E DAS AUTORIDADES

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As greves são válidas, mas nem sempre contamos com o apoio popular, pois as autoridades e mídia tentam colocar a população contra a categoria. Os governantes saem ilesos, são aplaudidos pela população quando colocam a tropa de choque para espancar “os vagabundos”, afinal para uma grande parte do povo a educação é tudo aquilo que é mostrado nas propagandas, e nós ao entramos em greve estamos impedindo que as crianças e os jovens desfrutem desses benefícios.

Enquanto a tropa de choque baixa o cassetete nas professoras e nos professores, em casa uma mãe pensa: “O calor está infernal, todas as escolas tem ar condicionado, mas meu filho esta cozinhando aqui em casa porque a professora dele esta em greve. O menino é bom, nunca repetiu um ano sequer, até agora passou direto. A escola é boa, tem merenda, tem computador, deu o uniforme, os livros e até a passagem de ônibus. Ano que vem voto nesse prefeito e nesse governador, eles defendem os pobres...”

O docente na perspectiva da mídia

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"CIDANIA, A GENTE NÃO VÊ POR AQUI"


A mídia brasileira, quando o assunto é cidadania, ainda se comporta como se estivesse no Brasil do século XIX, onde só os grandes proprietários tinham voz.
Confesso que não fiquei decepcionada com a matéria "Professores dão aula de baderna", publicada na Folha de São Paulo na coluna do Gilberto Dimenstein. Greve, protesto, exercício de cidadania para a nossa mídia, só ocorre no "primeiro mundo". Qualquer manifestação popular é descrita pela mídia, impressa, televisionada e eletrônica como "baderna" ou "tumulto", exceto quando os grandes produtores rurais bloqueiam rodovias estaduais e federais com seus tratores, a mídia notícia como protesto e o mais curioso ainda é que não há repressão policial. A "baderna", descrita nesta coluna, é um exercício de cidadania garantido pela Constituição, mas para a mídia, e para as autoridades o Brasil continua vivendo sob as barbas do imperador e trabalho é atividade para escravos. O único vestígio de modernidade está na substituição da chibata pelo cassetete e o spray de pimenta. Cidadania ainda é coisa de gente graúda, o povo só deve ir para as ruas somente quando as autoridades convocam.
Todos reconhecem que a qualidade da educação pública está péssima, faltam professores, o conteúdo nem sempre é compatível com os exames exigidos nas provas de vestibular e no ENEM. A educação pública não é gratuita, não é um favor nem uma caridade. Entretanto, a sociedade que desembolsa milhões em impostos, parece ignorar esses fatos, pois não reclama da péssima qualidade da educação que lhes é entregue.
Há professores desqualificados, desmotivados e omissos, mas a maioria dá o sangue para manter a escola, se o sistema ainda não faliu totalmente, deve-se exclusivamente aos professores e professoras que respeitam a sua profissão e o estudante, mesmo não sendo respeitados pelo sistema e pelos seus pupilos. É fácil transferir, na sua totalidade, para os ombros dos professores o fracasso e a baixa qualidade da educação. Mas pergunto: quem são os responsáveis pelas salas lotadas, pela falta de equipamentos, falta de condições das escolas e pela elaboração dos currículos escolares? Não são os professores, eles apenas executam pacotes educacionais que são elaborados nos gabinetes, bem longe das escolas.
Os professores e professoras reclamam e protestam contra esses absurdos, mas não são ouvidos pelas secretarias de educação, somente quando fazem greve, as autoridades e a população lembram-se da sua existência e da sua importância. É neste momento que a sociedade se lembra que o trabalho da categoria é importante. Se a educação caiu até chegar a esse ponto, a sociedade - estudantes e familiares - são responsáveis, pois em momento algum os vemos protestando e exigindo das autoridades uma melhoria do serviço que é pago com seus impostos. Não vejo estudantes e familiares, enviando mensagens para os jornais (impressos ou eletrônicos) reclamando, protestando ou denunciando as condições precárias da educação. Os sistemas de aprovação automática nos quais as crianças são promovidas de série, mesmo não tendo condições, foram implantados em diversos municípios e os estudantes e suas famílias se calaram.
Os professores reclamaram, mas os governantes não deram nenhuma atenção, pois eles não dependem só do voto dos professores para se elegerem, quem de fato os elege, por ser maioria, é a população. Se a população se organizar e fizer passeatas, atos públicos, cobrando dos administradores - vereadores, deputados, prefeitos, governadores, senadores e presidentes - seus representantes eleitos pelos seus votos, a educação pública vai ter qualidade.
Essa crise na educação também é resultado da passividade e subserviência dos estudantes. Mesmo no tempo da ditadura, os estudantes exerciam a sua cidadania, iam para as ruas, cobravam as autoridades, lutavam e defendiam os seus direitos, a educação não era perfeita, mas era bem melhor do que a que atualmente é ministrada.
É importante lembrar de que só a presença física do professor dentro da sala de aula não garante uma educação de qualidade, para que tal aconteça há que ter um envolvimento e um comprometimento por parte dos estudantes e de suas famílias. A educação é um trabalho de equipe, estudantes, pais e professores.
O baixo salário dos professores é um reflexo do desleixo para com a educação popular, pois o povo no imaginário da classe dirigente é um coitadinho que depende da caridade, assim sendo qualquer coisa serve. Olhem para os hospitais públicos, o sistema de transporte e encontrarão os mesmos problemas que existem na área de educação em função dessa mentalidade arcaica. A grande maioria dos dirigentes deste país, ainda estão no século XIX, a nação não tem povo, só escravos. Qualquer coisa serve, pois é um ato de caridade. E o povo aceita esse tratamento, talvez considerando o velho ditado popular que diz que "cavalo dado não se olha os dentes...".
No século XIX, os escravos eram impedidos de se manifestarem, vocês são livres, possuem educação e meios para se fazerem ouvir. O povo existe, é livre e não é coitado. Serviço público de qualidade é direito, pois pagamos por eles através dos impostos, portanto é nosso dever, cobrar qualidade, como também exigir dos nossos representantes o cumprimento de suas funções, afinal os elegemos para ADMINISTRAR os bens públicos.
É comum ver as pessoas dizerem que os professores ganham bem, mas não se vê a população se indignar e protestar quando os parlamentares aumentam os seus vencimentos ou desviam verbas, cabisbaixa a população se cala, finge que não vê, se esquece que é o seu dinheiro que esta sendo apropriado pelos seus representantes.
Acordem, o século XXI já chegou, o Brasil vive no regime democrático, a Constituição garante à população a livre manifestação, o exercício pleno da cidadania, estudantes o ECA os protegem. Quebrem as suas correntes e entrem no século XXI, vocês não são escravos, são pessoas livres. É isso que os professores em greve estão fazendo, exercendo um direito, atuando como cidadãos. Querem ver seus professores e professoras dentro de sala? Lutem, cobrem uma educação de qualidade dos responsáveis pela coordenação da educação em seus municípios e estados. Façam uma campanha e enviem e-mail para o prefeito, a câmara dos vereadores, dos deputados, para as secretarias de educação, para o governo federal e para o MEC - os endereços estão ao alcance de todos na Internet, basta entrar no Google e acessar - só parem a campanha, quando o problema for solucionado. A partir do momento que a educação for valorizada e conduzida da forma que deve ser, o salário do professor será digno, as escolas terão recursos e os estudantes das escolas públicas terão acesso às universidades públicas sem depender do sistema de cotas, exemplo típico da "caridade" que rende mais voto e desvia a atenção do povo para a baixa qualidade da educação básica da rede pública. Valorizem o dinheiro dos seus impostos exigindo uma educação de qualidade, tenho certeza que nunca mais vai haver professor e professora, fora de sala de aula sendo espancado pelas tropas de choque no asfalto.
Professores e professoras apoio a greve, pois entendo que a mesma é um exercício de cidadania, e que mesmo fora das salas, vocês continuam a ensinar, pois o exemplo também é um eficaz instrumento pedagógico.

Adaptação de comentário enviado para a Folha Online em 29.03.2010, referente à matéria “Professores dão aula de baderna" http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/gilbertodimenstein/ult508u712877.shtml escrita pelo jornalista Gilberto Dimenstein, publicada na Folha Online em 27/03/2010.

sexta-feira, 26 de março de 2010

educação sp

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Como anda a Educação em São Paulo

O artigo reproduzido abaixo foi publicado pelo Blog Passa a Palavra.


O governador José Serra ("a direita) e o secretário de Educação Paulo Renato

Educação serrista: ocultar pobreza e má gestão, culpar os professores

O fracasso da educação paulista não pode ser visto somente pelos problemas internos, resumindo-se na má formação do professores. Ao tentar jogar toda a culpa sobre a má formação dos professores, o governo Serra procura esconder o grave abismo social que impede que o alunado da escola pública cresça em ambiente educacionalmente mais frutífero. Por Ronan

Em um livro que permanece atual – Sobre Educação – Maurício Tragtenberg chamou a atenção para o fato de o Brasil não possuir problema educacional, mas problemas socioeconômicos. É exemplo disso sabermos que a escola que obteve um dos últimos lugares dentre 5.500 no Estado de São Paulo tinha pouca frequência nos dias de chuva, pelo fato de as ruas não serem asfaltadas e uma de suas entradas ficar alagada. Obviamente, entre a lama e a enchente, os alunos preferiam ficar em casa.

Certamente o país possui problemas estritamente educacionais, visíveis nos conflitos entre a União e os Estados sobre os modelos adotados, visíveis ainda na indefinição sobre currículo, modelo avaliativo, normas disciplinares, formação continuada, recuperação paralela, métodos de ensino e uma infinidade de outros elementos. De forma geral, o ensino no país é praticado na base do amadorismo, onde os professores recebem conhecimentos das faculdades – nem sempre seguros - e pouca ou nenhuma visão sobre como atuar e sobre modelo geral de educação. Há, no meio educacional, uma falta de pensar sobre o que é educação, sobre como agir.

É importante frisar que não podemos esquecer a questão da má qualificação dos professores e é bom que ela esteja no centro do debate atual. Entretanto, necessitamos relembrar a máxima de Tragtenberg porque o fracasso educacional brasileiro está relacionado com os altos níveis de desigualdade e pobreza no país. Dados do IPEA, publicados na Folha de São Paulo (9/02/2010), apontam que apenas 13% dos jovens entre 18 e 24 anos frequentavam universidade em 2007. Ainda, menos da metade dos adolescentes entre 15 e 17 anos cursava o ensino médio. As disparidades regionais e entre campo e cidade dizem mais: 57% desses adolescentes que vivem nas cidades brasileiras frequentam o ensino médio, índice que cai para 31% no caso dos que residem no campo. A pobreza é um forte fator antieducacional. Na própria arquitetura das escolas destinadas previamente aos jovens mais empobrecidos vê-se uma indicação antecipada do fracasso escolar.

O impacto das familías e da situação socioeconômica das mesmas é evidente. Estudos [1] apontam que até 70% do desempenho educacional de um aluno está relacionado com o fator família. A depender do meio social em que uma criança é criada, ela pode atingir os 12 anos com um vocabulário que contenha 4 mil palavras, no caso de ambientes iletrados, ou um vocabulário que contenha 12 mil palavras, no caso de ambientes culturalmente mais ricos.

O fracasso da educação paulista não pode ser visto somente pelos problemas internos, resumindo-se na má formação do professores. Primeiro, temos que ponderar os graves problemas sociais, que ofertam alunos em situações complexas para uma escola excludente e degradada. Segundo, a má formação dos professores envolve tanto os fatores de exclusão, uma vez que os baixos salários atraem profissionais dos setores pauperizados, geralmente ex-alunos da escola pública, quanto a má gestão de cúpula. O professor mal formado é fruto de um ensino superior dominado por interesses mercantís que bem sabem comprar as autoridades públicas para que não haja fiscalização e controle.

Ao tentar jogar toda a culpa sobre a má formação dos professores, o governo Serra procura esconder o grave abismo social que impede que o alunado da escola pública cresça em ambiente educacionalmente mais frutífero. Ainda, esconder que esse mesmo governo oferece aos estudantes uma escola degradada que sequer possui papel higiênico e sabonete. Para completar, esconder a conivência do longo governo paulista com instituições de ensino superior enganadoras, acompanhada da ineficácia geral em combater a má qualificação docente e mobilizar forças outras pela melhoria do ensino. Não podendo esquecer o grave problema de que o mesmo governo que fala em meritocracia é o mesmo que preenche mais de 20 mil cargos de gestão educacional mediante critérios clientelistas – o famoso quem indica – lotando as escolas com gente mal formada e descompromissada em cargos de gestão.

A má gestão paulista em educação, além da pobreza material, fica evidente na ausência das universidades na produção de material didático, de filmes, documentários, programas de computador, de um portal estadual da educação, da formação continuada dos professores, dentre outros. Se há problemas na qualificação dos docentes, além de estabelecer um mínimo de exigências para os centros formadores, o caminho seria o governo assumir a culpa pelo seu fracasso em proporcionar formação continuada digna desse nome e oferecer aos professores qualificações necessárias. Para tal, aqueles que necessitassem de formação complementar deveriam passar pela mesma sem perda de salários, para o caso de terem que se afastar da aulas.

Ao contrário, o caminho do governo tem sido o de usar o professorado como bode expiatório para o fracasso peessedebista na educação. A manutenção de 100 mil professores não concursados, metade da categoria, além de economizar uma grana enorme, pois os mesmos não recebem licença-prêmio e 1/3 de férias, cria uma situação de instabilidade empregatícia e disputa entre a categoria que é muito útil ao governo para desmoralizar a mesma. Nesse intuito, tem contado com o apoio explícito da imprensa paulista e da mídia que faz vistas grossas ao graves erros de gestão, aos problemas estruturais, dentre outros. Também tem se beneficiado de um sindicato que ficou preso às discussões salariais e não se preparou, nem organiza a categoria, para o embate atual que gira em torno dos modelos educacionais.
[1] Estudo realizado em 2006 pelo Convênio Andrés Bello: A eficácia escolar ibero-americana.

sexta-feira, 19 de março de 2010

YES, NÓS TEMOS UNIVERSIDADES PÚBLICAS DE QUALIDADE.

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HOJE, DEU BRASIL E UERJ.

A falta de qualificação dos professores e professoras brasileiros e a baixa qualidade das universidades públicas brasileiras são os bordões mais utilizados pela mídia, pelas autoridades e pelos especialistas internacionais para justificar a baixa qualidade da educação nacional.

Hoje, 19 de março de 2010, eu, professora brasileira de história formada pela UERJ, comecei a preparar uma aula para a minha turma do terceiro ano do ensino médio sobre Imperialismo e Colonialismo. Seguindo as determinações dos PCNS, para cada aula faço uma pesquisa e levanto documentos para utilizar nas aulas (mesmo que as condições encontradas nas escolas não me permitam ministrá-las na integra). Acessei um site britânico sobre imperialismo, super interessante, pois apresenta um estudo sobre o império britânico, desde o início até a sua decadência. Encontrei um quiz, em inglês, com 12 questões sobre todas as fases do império, entrei e comecei a responder, ao final apareceu um gráfico indicando a quantidade de acertos, eu consegui acertar todas. Aparentemente nada demais para uma professora de história. Será?

Quantos professores ingleses do Ensino Médio conseguiriam entrar em um site brasileiro e fazer um quiz sobre a nossa história da colônia até a década de 30, em português, e atingir essa pontuação?
Gostaria que o governo brasileiro e os “especialistas” nacionais e estrangeiros que vivem falando do nosso despreparo, preparassem uma avaliação internacional e nos convidasse para participar de um teste junto com os professores do chamado “primeiro mundo”. Tenho certeza absoluta que o resultado seria surpreendente.

Qualquer docente brasileiro de História terá o mesmo resultado ao fazer este quiz. Veja o link no final do artigo. Façam e vejam como somos injustamente desqualificados, não permitam que o sistema destrua a nossa auto-estima. Yes, nós e nossas universidades temos qualidade.


domingo, 14 de março de 2010

DÉJÀ-VU

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A deterioração da educação, salvo raras exceções, é um fenômeno global. Não é um problema específico de países pobres.

A carta abaixo foi escrita por um professor português, mas poderia ter sido escrita por qualquer professor ou professora, aqui no Brasil.

Carta aberta ao Senhor Presidente da República Portuguesa

Domingos Freire Cardoso 2007-11-12

Senhor Presidente da República Portuguesa,
Excelência:

Disse V. Ex.ª, no discurso do passado dia 5 de Outubro, que os professores precisavam de ser dignificados e eu ouso acrescentar: "Talvez V. Ex.ª não saiba bem quanto!"

1. Sou professor há mais de trinta e seis anos e no ano passado tive o primeiro contacto com a maior mentira e o maior engano (não lhe chamo fraude porque talvez lhe falte a "má-fé") do ensino em Portugal que dá pelo nome de Cursos de Educação e Formação (CEF).

A mentira começa logo no facto de dois anos nestes cursos darem equivalência ao 9.º ano, isto é, aldrabando a Matemática, dois é igual a três!

Um aluno pode faltar dez, vinte, trinta vezes a uma ou a várias disciplinas (mesmo estando na escola), mas com aulas de remediação, de recuperação ou de compensação (chamem-lhe o que quiserem, mas serão sempre sucedâneos de aulas e nunca aulas verdadeiras como as outras) fica sem faltas. Pode ter cinco, dez ou quinze faltas disciplinares, pode inclusive ter sido suspenso que no fim do ano fica sem faltas, fica puro e imaculado como se nascesse nesse momento.

Qual é a mensagem que o aluno retira deste procedimento? Que pode fazer tudo o que lhe apetecer que no final da ano desce sobre ele uma luz divina que o purifica ao contrário do que acontece na vida. Como se vê claramente não pode haver melhor incentivo à irresponsabilidade do que este.

2. Actualmente sinto vergonha de ser professor porque muitos alunos podem este ano encontrar-me na rua e dizerem: "Lá vai o palerma que se fartou de me dizer para me portar bem, que me dizia que podia reprovar por faltas e, afinal, não me aconteceu nada disso. Grande estúpido!"

3. É muito fácil falar de alunos problemáticos a partir dos gabinetes, mas a distância que vai deles até às salas de aula é abissal. E é-o porque quando os responsáveis aparecem numa escola levam atrás de si (ou à sua frente, tanto faz) um magote de televisões e de jornalistas que se atropelam uns aos outros. Deviam era aparecer nas escolas sem avisar, sem jornalistas, trazer o seu carro particular e não terem lugar para estacionar como acontece na minha escola.

Quando aparecem fazem-no com crianças escolhidas e pagas por uma empresa de casting para ficarem bonitos (as crianças e os governantes) na televisão.

Os nossos alunos não são recrutados dessa maneira, não são louros, não têm caracóis no cabelo nem vestem roupa de marca.

Os nossos alunos entram na sala de aula aos berros e aos encontrões, trazem vestidas camisolas interiores cavadas, cheiram a suor e a outras coisas e têm os dentes em mísero estado.

Os nossos alunos estão em estado bruto, estão tal e qual a Natureza os fez, cresceram como silvas que nunca viram uma tesoura de poda. Apesar de terem 15/16 anos parece que nunca conviveram com gente civilizada.

Não fazem distinção entre o recreio e o interior da sala de aula onde entram de boné na cabeça, headphones nos ouvidos continuando as conversas que traziam do recreio.

Os nossos alunos entram na sala, sentam-se na cadeira, abrem as pernas, deixam-se escorregar pela cadeira abaixo e não trazem nem esferográfica nem uma folha de papel onde possam escrever seja o que for.

Quando lhes digo para se sentarem direitos, para se desencostarem da parede, para não se virarem para trás, olham-me de soslaio como que a dizer "Olha-me este!" e passados alguns segundos estão com as mesmas atitudes.

4. Eu não quero alunos perfeitos. Eu quero apenas alunos normais!!!

Alunos que ao serem repreendidos não contradigam o que eu disse e que ao serem novamente chamados à razão não voltem a responder querendo ter a última palavra desafiando a minha autoridade, não me respeitando nem como pessoa mais velha nem como professor. Se nunca tive de aturar faltas de educação aos meus filhos porque é que hei-de aturar faltas de educação aos filhos dos outros? O Estado paga-me para ensinar os alunos, para os educar e ajudar a crescer; não me paga para os aturar! Quem vai conseguir dar aulas a alunos destes até aos 65 anos de idade?

Actualmente só vai para professor quem não está no seu juízo perfeito mas, se o estiver, em cinco anos (ou cinco meses bastarão?...) os alunos se encarregarão de lhe arruinar completamente a sanidade mental.

Eu quero alunos que não falem todos ao mesmo tempo sobre coisas que não têm nada a ver com as aulas e quando peço a um que se cale ele não me responda: "Porque é que me mandou calar a mim? Não vê os outros também a falar?"

Eu quero alunos que não façam comentários despropositados de modo que os outros se riam e respondam ao que eles disseram ateando o rastilho da balbúrdia em que ninguém se entende.

Eu quero alunos que não me obriguem a repetir em todas as aulas: "Entrem, sentem-se e calem-se!"

Eu quero alunos que não usem artes de ventríloquo para assobiar, cantar, grunhir, mugir, roncar e emitir outros sons. É claro que se eu não quisesse dar mais aula bastaria perguntar quem tinha sido e não sairia mais dali pois ninguém assumiria a responsabilidade.

Eu quero alunos que não desconheçam a existência de expressões como "obrigado", "por favor" e "desculpe" e que as usem sempre que o seu emprego se justifique.

Eu quero alunos que ao serem chamados a participar na aula não me olhem com enfado dizendo interiormente "Mas o que é que este quer agora?" e demorem uma eternidade a disponibilizar-se para a tarefa como se me estivessem a fazer um grande favor. Que fique bem claro que os alunos não me fazem favor nenhum em estarem na aula e a portarem-se bem.

Eu quero alunos que não estejam constantemente a receber e a enviar mensagens por telemóvel e a recusarem-se a entregar-mo quando lhes peço para terminar esse contacto com o exterior pois esses alunos "não estão na sala", estão com a cabeça em outros mundos.

Eu sou um trabalhador como outro qualquer e como tal exijo condições de trabalho! Ora, como é que eu posso construir uma frase coerente, como é que eu posso escolher as palavras certas para ser claro e convincente se vejo um aluno a balouçar-se na cadeira, outro virado para trás a rir-se, outro a mexer no telemóvel e outro com a cabeça pousada na mesa a querer dormir?

Quando as aulas são apoiadas por fichas de trabalho, gostaria que os alunos, ao saírem da sala, não as amarrotassem e as deitassem no cesto do lixo mesmo à minha frente ou não as deixassem "esquecidas" em cima da mesa.

Nos últimos cinco minutos de uma aula disse aos alunos que se aproximassem da secretária pois iria fazer uma experiência ilustrando o que tinha sido explicado e eles puseram os bonés na cabeça, as mochilas às costas e encaminharam-se todos em grande conversa para a porta da sala à espera que tocasse. Disse-lhes: "Meus meninos, a aula ainda não acabou! Cheguem-se aqui para verem a experiência!", mas nenhum deles se moveu um milímetro!!!

Como é possível, com alunos destes, criar a empatia necessária para uma aula bem-sucedida?

É por estas e por outras que eu NÃO ADMITO A NINGUÉM, RIGOROSAMENTE A NINGUÉM, que ouse pensar, insinuar ou dizer que se os meus alunos não aprendem a culpa é minha!!!

5. No ano passado tive uma turma do 10.º ano de um curso profissional em que um aluno, para resolver um problema no quadro, tinha de multiplicar 0,5 por 2 e este virou-se para os colegas a perguntar quem tinha uma máquina de calcular!!! No mesmo dia e na mesma turma outro aluno também pediu uma máquina de calcular para dividir 25,6 por 1.

Estes alunos podem não saber efectuar estas operações sem máquina e talvez tenham esse direito. O que não se pode é dizer que são alunos de uma turma do 10.º ano!!!

Com este tipo de qualificação dada aos alunos não me admira que, daqui a dois ou três anos, estejamos à frente de todos os países europeus e do resto do mundo. Talvez estejamos, só que os alunos continuarão a ser brutos, burros, ignorantes e desqualificados mas com um diploma!!!

6. São estes os alunos que, ao regressarem à escola, tanto orgulho dão ao Governo. Só que ninguém diz que os Cursos de Educação e Formação são enormes ecopontos (não sejamos hipócritas nem tenhamos medo das palavras) onde desaguam os alunos das mais diversas proveniências e com histórias de vida escolar e familiar de arrepiar desde várias repetências e inúmeras faltas disciplinares, até famílias irresponsáveis.

Para os que têm traumas, doenças, carências, limitações e dificuldades várias há médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros técnicos, em quantidade suficiente, para os ajudar e complementar o trabalho dos professores?

Há alunos que têm o sublime descaramento de dizer que não andam na escola para estudar mas para "tirar o 9.º ano".

Outros há que, simplesmente, não sabem o que andam a fazer na escola...

E, por último, existem os que se passeiam na escola só para boicotar as aulas e para infernizar a vida aos professores. Quem é que consegue ensinar seja o que for a alunos destes? E porque é que eu tenho de os aturar numa sala de aula durante períodos de 90 e de 45 minutos por semana durante um ano lectivo? A troco de quê? Da gratidão da sociedade e do reconhecimento e do apreço do Ministério não é, de certeza absoluta!

7. Eu desafio seja quem for do Ministério da Educação (ou de outra área da sociedade) a enfrentar (o verbo é mesmo esse, "enfrentar", já que de uma luta se trata...), durante uma semana apenas, uma turma destas sozinho, sem jornalistas nem guarda-costas, e cumprir um horário de professor tentando ensinar um assunto qualquer de uma unidade didáctica do programa escolar.

Eu quero saber se ao fim dessa semana esse ilustre voluntário ainda estará com vontade de continuar. E não me digam que isto é demagogia porque demagogia é falar das coisas sem as conhecer e a realidade escolar está numa sala de aula com alunos de carne, osso e odores e não num gabinete onde esses alunos são números num mapa de estatística e eu sei perfeitamente que o que o Governo quer são números para esse mapa, quer os alunos saibam estar sentados numa cadeira ou não (saber ler e explicar o que leram seria pedir demasiado pois esse conhecimento justificaria equivalência, não ao 9.º ano, mas a um bacharelato...).

É preciso que o Ministério diga aos alunos que a aprendizagem exige esforço, que aprender custa, que aprender "dói"! É preciso dizer aos alunos que não basta andar na escola de telemóvel na mão para memorizar conhecimentos, aprender técnicas e adoptar posturas e comportamentos socialmente correctos.

Se V.Ex.ª achar que eu sou pessimista e que estou a perder a sensibilidade por estar em contacto diário com este tipo de jovens, pergunte a opinião de outros professores, indague junto das escolas, mande alguém saber. Mas tenha cuidado porque estes cursos são uma mentira...

Permita-me discordar de V. Ex.ª mas dizer que os professores têm de ser dignificados é pouco, muito pouco mesmo...

Atenciosamente

Domingos Freire Cardoso

Fonte:
http://www.educare.pt/educare/Opiniao.Artigo.aspx?contentid=3EBD736E07F06B2FE04400144F16FAAE&channelid=3EBD736E07F06B2FE04400144F16FAAE&schemaid=&opsel=2

sábado, 13 de março de 2010

Professor e Professora palavras à caminho da extinção.

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AS PALAVRAS PROFESSOR/PROFESSORA, NÃO SÃO PRAGAS PARA SEREM EXTERMINADAS, NEM LIXO PARA SEREM RECICLADAS.

Vocês já repararam que as palavras professor e professora estão a caminho da extinção em função do processo de reciclagem por que estão passando? Estou pensando seriamente em criar uma ONG para preservá-la.

Admito que mesmo na idade do ouro da categoria, a nossa figura já não tinha uma imagem muita bem definida no imaginário popular, tinha um pé na família – a segunda mãe - e outro na religião – sacerdotes. Imagens de seres sacrificados, resignados, mártires heróicos, a gente aceitava, afinal de contas, a educação estava engatinhado no país. Apesar da confusão dos papéis, a profissão era reconhecida, a palavra professor designava um profissional.

O processo de reciclagem começou de uma forma lúdica, era tio pra lá, tia pra cá. Ingenuamente, tomamos a ofensiva como um gesto de carinho, afinal a nossa carência na época, já era grande, o respeito pela nossa profissão já estava roto, começando a desfiar. Ninguém, na ocasião, se deu conta significado da figura da “tia” no imaginário popular. Geralmente a boa e velha “tia” é a solteirona encalhada, lembram-se da “expressão ficou pra titia?” Pois é, na verdade está mais para encosto do que pra parente. O outro significado da palavra também, remete a exclusão, tia era a palavra utilizada para definir os homossexuais velhos, idosos, experientes. Sentiram agora a barra de ser “a tia?” Em ambos os casos é um ser improdutivo, pesado à sociedade que serve pra tomar conta da pirralhada e ensinar aquilo que os outros não tem tempo ou então não querem.

Existe alguma categoria profissional, com curso superior, que seus membros não sejam denominados pela respectiva especialização? Pelo que sei engenheiro é engenheiro, médico é médico, advogado é advogado, pedagoga é pedagoga. Por que só nós, depois de passarmos anos e anos em uma universidade, não somos reconhecidos?

Em tese ao obter uma qualificação científica e técnica, as pessoas são especializados em áreas específicas do saber, isto é, para praticar habilidades e competências técnicas relativas às áreas científicas nas foram graduadas. Cabe ao pediatra ensinar aos seus pacientes noções básicas de civilidade? Ao dentista é cobrado a solução dos problemas emocionais dos seus pacientes?

Legalmente a educação é uma parceria entre os pais e os professores, tanto a família quanto a escola são responsáveis pelo pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, a escola cabe reforçar, aprofundar e dar continuidade à base fornecida pelos responsáveis ao prepará-los para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Entretanto transferir toda a responsabilidade da formação da criança e do adolescente para a escola é descaracterizar o seu papel, cada professor é especializado para fornecer habilidades e competências específicas relativas ao exercício da cidadania e a habilitação necessária para preparar o aluno a sua entrada no mercado de trabalho, não temos condições nem qualificação técnica para substituir os pais.

Infelizmente o processo de extermínio das palavras professor/professora não se deteve quando nos transformaram em tios/tias. Avançou ladeira abaixo alavancado pela onda neoliberal, o professor/professora deve ser um fa-ci-li-ta-dor. Coincidência, ou não, a aprovação automática entrou em cena no mesmo período.

Particularmente me sinto muito incomodada com essas novas palavras .Tenho um diploma conferido pela UERJ e lá não estão nenhuma dessas palavras, olho o meu contra-cheque e também não as vejo, quando faço o meu imposto de renda não as encontro na relação de profissões reconhecidas pela Receita Federal.

A universidade me qualifica como professora, o Estado me emprega como professora e eu tenho consciência que sou uma professora, não aceito ser qualificada de outra maneira. Tenho orgulho de ser profissionalmente o que sou.

Lutem pela preservação destas palavras. Adotem essas duas palavras e as preservem.