sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A CRISE NA EDUCAÇÃO, PROVOCADA PELO NEOLIBERALISMO É MUNDIAL

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A crise vivida pela educação não é apenas um problema brasileiro. O aluno pobre, as escolas e os docentes que trabalham com essa parcela da população, hoje enfrentam os mesmos problemas em diversos países.

Tomei conhecimento dos problemas vivenciados pela categoria e a realidade dos alunos das camadas mais pobres em outros países, ao lecionar Educação Comparada, mas como tudo que é importante para desenvolver o senso crítico está desaparecendo nestes tempos neoliberais, esta disciplina foi retirada, com a reforma, do curso de Pedagogia, contudo mantive o hábito de acompanhar o andamento das práticas educacionais pelo mundo.

Hoje, nos países que adotaram a política educacional neoliberal, a qualidade da educação despencou, a vida dos docentes se tornou um inferno e os alunos de baixa renda estão condenados a uma vida sem expectativas, pois a adoção da progressão automática continua a inviabilizar um futuro melhor via educação. A situação na França, Portugal e Espanha é preocupante, em alguns casos é pior do que a nossa realidade, pois nestes a aplicação das medidas neoliberais estão algumas etapas à nossa frente. Quando escrevo sobre o assunto, pode parecer para alguns que estou adotando um tom apocalíptico, mas infelizmente não estou dando uma de Casandra, apenas relato o que pode acontecer aqui baseada no que acontece por lá.  

A educação no exterior segundo a  fala hipnótica dos lobbistas neoliberias e das autoridades obsecadas com o "mudernismo" estrangeiro, parece ser a oitava maravilha do mundo, modelo obrigatório e solução milagrosa para resolver todos os problemas da educação brasileira. Entretanto a realidade é bem diferente, como exemplo reproduzo  abaixo, um post publicado em um blog de Portugal chamado  Movimento Escola Pública,  falando do cotidiano escolar na França. 



Polícia começa a funcionar dentro das escolas francesas


A escola pública francesa continua à margem do progresso verificado ao longo das últimas décadas. O seu sistema de ensino é um dos que produz maior exclusão, revolta e conflitos.


Nenhum governo até hoje se mostrou interessado em inverter esta política, para além da verborreia do PS, que também aqui conhecemos.

Com a chegada de Sarkozy ao poder tudo se agravou. A decisão de eliminar postos de trabalho de professores degrada a qualidade do ensino. As novas contratações têm características que já conhecemos: precariedade e falta de formação profissional: redução drástica de salários e direitos.

A política neoliberal agressiva de Sarkozy lança agora novas achas para a fogueira: pela primeira vez na história do ensino, o ano lectivo começa com um programa de instalação de polícias dentro das escolas. Para já são 53 estabelecimentos do básico e secundário, por um período experimental de 3 anos. Esta medida segue-se a outra que permite aos encarregados de educação fazer a chamada “livre escolha” de escola, independentemente da área de residência. Não por acaso os estabelecimentos que passam a contar com polícias (armados !) no seu interior situam-se nos bairros pobres, chamados pelo ministério da educação francês “bairros difíceis ou Zonas de Educação Prioritária” (em Portugal chamam-se TEIPs - Territórios Educativos de Intervenção Prioritária).

A apreensão está a generalizar-se: por um lado a polícia vai poder interrogar directamente alunos menores de idade, sem o consentimento dos pais, violando as regras da justiça; por outro vai poder sobrepor-se aos próprios órgãos e métodos pedagógicos, fundamento da própria escola e da formação de crianças e jovens.

Os directores de escolas que não aceitarem a polícia no seu interior “terão que assumir as responsabilidades”, ameaçou o presidente francês. O sindicato dos directores rejeita esta política e alerta: “uma escola não é uma esquadra de polícia”.

Mais informação em “Le Monde”, edição em papel datada de 2/9/2010.


Publicada por Movimento Escola Pública em 02:06
 

Outro exemplo, que volto a publicar, é carta escrita por um docente português a qual poderia ser escrita por qualquer docente brasileiro, pois os problemas são idênticos.
 
Senhor Presidente da República Portuguesa,


Excelência:


Disse V. Ex.ª, no discurso do passado dia 5 de Outubro, que os professores precisavam de ser dignificados e eu ouso acrescentar: "Talvez V. Ex.ª não saiba bem quanto!"

1. Sou professor há mais de trinta e seis anos e no ano passado tive o primeiro contacto com a maior mentira e o maior engano (não lhe chamo fraude porque talvez lhe falte a "má-fé") do ensino em Portugal que dá pelo nome de Cursos de Educação e Formação (CEF).
A mentira começa logo no facto de dois anos nestes cursos darem equivalência ao 9.º ano, isto é, aldrabando a Matemática, dois é igual a três!

Um aluno pode faltar dez, vinte, trinta vezes a uma ou a várias disciplinas (mesmo estando na escola), mas com aulas de remediação, de recuperação ou de compensação (chamem-lhe o que quiserem, mas serão sempre sucedâneos de aulas e nunca aulas verdadeiras como as outras) fica sem faltas. Pode ter cinco, dez ou quinze faltas disciplinares, pode inclusive ter sido suspenso que no fim do ano fica sem faltas, fica puro e imaculado como se nascesse nesse momento.

Qual é a mensagem que o aluno retira deste procedimento? Que pode fazer tudo o que lhe apetecer que no final da ano desce sobre ele uma luz divina que o purifica ao contrário do que acontece na vida. Como se vê claramente não pode haver melhor incentivo à irresponsabilidade do que este.

2. Actualmente sinto vergonha de ser professor porque muitos alunos podem este ano encontrar-me na rua e dizerem: "Lá vai o palerma que se fartou de me dizer para me portar bem, que me dizia que podia reprovar por faltas e, afinal, não me aconteceu nada disso. Grande estúpido!"

3. É muito fácil falar de alunos problemáticos a partir dos gabinetes, mas a distância que vai deles até às salas de aula é abissal. E é-o porque quando os responsáveis aparecem numa escola levam atrás de si (ou à sua frente, tanto faz) um magote de televisões e de jornalistas que se atropelam uns aos outros. Deviam era aparecer nas escolas sem avisar, sem jornalistas, trazer o seu carro particular e não terem lugar para estacionar como acontece na minha escola.

Quando aparecem fazem-no com crianças escolhidas e pagas por uma empresa de casting para ficarem bonitos (as crianças e os governantes) na televisão.
Os nossos alunos não são recrutados dessa maneira, não são louros, não têm caracóis no cabelo nem vestem roupa de marca.

Os nossos alunos entram na sala de aula aos berros e aos encontrões, trazem vestidas camisolas interiores cavadas, cheiram a suor e a outras coisas e têm os dentes em mísero estado.
Os nossos alunos estão em estado bruto, estão tal e qual a Natureza os fez, cresceram como silvas que nunca viram uma tesoura de poda. Apesar de terem 15/16 anos parece que nunca conviveram com gente civilizada.

Não fazem distinção entre o recreio e o interior da sala de aula onde entram de boné na cabeça, headphones nos ouvidos continuando as conversas que traziam do recreio.
Os nossos alunos entram na sala, sentam-se na cadeira, abrem as pernas, deixam-se escorregar pela cadeira abaixo e não trazem nem esferográfica nem uma folha de papel onde possam escrever seja o que for.

Quando lhes digo para se sentarem direitos, para se desencostarem da parede, para não se virarem para trás, olham-me de soslaio como que a dizer "Olha-me este!" e passados alguns segundos estão com as mesmas atitudes.

4. Eu não quero alunos perfeitos. Eu quero apenas alunos normais!!!
Alunos que ao serem repreendidos não contradigam o que eu disse e que ao serem novamente chamados à razão não voltem a responder querendo ter a última palavra desafiando a minha autoridade, não me respeitando nem como pessoa mais velha nem como professor. Se nunca tive de aturar faltas de educação aos meus filhos porque é que hei-de aturar faltas de educação aos filhos dos outros? O Estado paga-me para ensinar os alunos, para os educar e ajudar a crescer; não me paga para os aturar! Quem vai conseguir dar aulas a alunos destes até aos 65 anos de idade?

Actualmente só vai para professor quem não está no seu juízo perfeito mas, se o estiver, em cinco anos (ou cinco meses bastarão?...) os alunos se encarregarão de lhe arruinar completamente a sanidade mental.

Eu quero alunos que não falem todos ao mesmo tempo sobre coisas que não têm nada a ver com as aulas e quando peço a um que se cale ele não me responda: "Porque é que me mandou calar a mim? Não vê os outros também a falar?"

Eu quero alunos que não façam comentários despropositados de modo que os outros se riam e respondam ao que eles disseram ateando o rastilho da balbúrdia em que ninguém se entende.
Eu quero alunos que não me obriguem a repetir em todas as aulas: "Entrem, sentem-se e calem-se!"

Eu quero alunos que não usem artes de ventríloquo para assobiar, cantar, grunhir, mugir, roncar e emitir outros sons. É claro que se eu não quisesse dar mais aula bastaria perguntar quem tinha sido e não sairia mais dali pois ninguém assumiria a responsabilidade.

Eu quero alunos que não desconheçam a existência de expressões como "obrigado", "por favor" e "desculpe" e que as usem sempre que o seu emprego se justifique.

Eu quero alunos que ao serem chamados a participar na aula não me olhem com enfado dizendo interiormente "Mas o que é que este quer agora?" e demorem uma eternidade a disponibilizar-se para a tarefa como se me estivessem a fazer um grande favor. Que fique bem claro que os alunos não me fazem favor nenhum em estarem na aula e a portarem-se bem.

Eu quero alunos que não estejam constantemente a receber e a enviar mensagens por telemóvel e a recusarem-se a entregar-mo quando lhes peço para terminar esse contacto com o exterior pois esses alunos "não estão na sala", estão com a cabeça em outros mundos.

Eu sou um trabalhador como outro qualquer e como tal exijo condições de trabalho! Ora, como é que eu posso construir uma frase coerente, como é que eu posso escolher as palavras certas para ser claro e convincente se vejo um aluno a balouçar-se na cadeira, outro virado para trás a rir-se, outro a mexer no telemóvel e outro com a cabeça pousada na mesa a querer dormir?

Quando as aulas são apoiadas por fichas de trabalho, gostaria que os alunos, ao saírem da sala, não as amarrotassem e as deitassem no cesto do lixo mesmo à minha frente ou não as deixassem "esquecidas" em cima da mesa.

Nos últimos cinco minutos de uma aula disse aos alunos que se aproximassem da secretária pois iria fazer uma experiência ilustrando o que tinha sido explicado e eles puseram os bonés na cabeça, as mochilas às costas e encaminharam-se todos em grande conversa para a porta da sala à espera que tocasse. Disse-lhes: "Meus meninos, a aula ainda não acabou! Cheguem-se aqui para verem a experiência!", mas nenhum deles se moveu um milímetro!!!

Como é possível, com alunos destes, criar a empatia necessária para uma aula bem-sucedida?
É por estas e por outras que eu NÃO ADMITO A NINGUÉM, RIGOROSAMENTE A NINGUÉM, que ouse pensar, insinuar ou dizer que se os meus alunos não aprendem a culpa é minha!!!

5. No ano passado tive uma turma do 10.º ano de um curso profissional em que um aluno, para resolver um problema no quadro, tinha de multiplicar 0,5 por 2 e este virou-se para os colegas a perguntar quem tinha uma máquina de calcular!!! No mesmo dia e na mesma turma outro aluno também pediu uma máquina de calcular para dividir 25,6 por 1.

Estes alunos podem não saber efectuar estas operações sem máquina e talvez tenham esse direito. O que não se pode é dizer que são alunos de uma turma do 10.º ano!!!

Com este tipo de qualificação dada aos alunos não me admira que, daqui a dois ou três anos, estejamos à frente de todos os países europeus e do resto do mundo. Talvez estejamos, só que os alunos continuarão a ser brutos, burros, ignorantes e desqualificados mas com um diploma!!!

6. São estes os alunos que, ao regressarem à escola, tanto orgulho dão ao Governo. Só que ninguém diz que os Cursos de Educação e Formação são enormes ecopontos (não sejamos hipócritas nem tenhamos medo das palavras) onde desaguam os alunos das mais diversas proveniências e com histórias de vida escolar e familiar de arrepiar desde várias repetências e inúmeras faltas disciplinares, até famílias irresponsáveis.

Para os que têm traumas, doenças, carências, limitações e dificuldades várias há médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros técnicos, em quantidade suficiente, para os ajudar e complementar o trabalho dos professores?
Há alunos que têm o sublime descaramento de dizer que não andam na escola para estudar mas para "tirar o 9.º ano".

Outros há que, simplesmente, não sabem o que andam a fazer na escola....

E, por último, existem os que se passeiam na escola só para boicotar as aulas e para infernizar a vida aos professores. Quem é que consegue ensinar seja o que for a alunos destes? E porque é que eu tenho de os aturar numa sala de aula durante períodos de 90 e de 45 minutos por semana durante um ano lectivo? A troco de quê? Da gratidão da sociedade e do reconhecimento e do apreço do Ministério não é, de certeza absoluta!

7. Eu desafio seja quem for do Ministério da Educação (ou de outra área da sociedade) a enfrentar (o verbo é mesmo esse, "enfrentar", já que de uma luta se trata...), durante uma semana apenas, uma turma destas sozinho, sem jornalistas nem guarda-costas, e cumprir um horário de professor tentando ensinar um assunto qualquer de uma unidade didáctica do programa escolar.

Eu quero saber se ao fim dessa semana esse ilustre voluntário ainda estará com vontade de continuar. E não me digam que isto é demagogia porque demagogia é falar das coisas sem as conhecer e a realidade escolar está numa sala de aula com alunos de carne, osso e odores e não num gabinete onde esses alunos são números num mapa de estatística e eu sei perfeitamente que o que o Governo quer são números para esse mapa, quer os alunos saibam estar sentados numa cadeira ou não (saber ler e explicar o que leram seria pedir demasiado pois esse conhecimento justificaria equivalência, não ao 9.º ano, mas a um bacharelato...).

É preciso que o Ministério diga aos alunos que a aprendizagem exige esforço, que aprender custa, que aprender "dói"! É preciso dizer aos alunos que não basta andar na escola de telemóvel na mão para memorizar conhecimentos, aprender técnicas e adoptar posturas e comportamentos socialmente correctos.

Se V.Ex.ª achar que eu sou pessimista e que estou a perder a sensibilidade por estar em contacto diário com este tipo de jovens, pergunte a opinião de outros professores, indague junto das escolas, mande alguém saber. Mas tenha cuidado porque estes cursos são uma mentira...

Permita-me discordar de V. Ex.ª mas dizer que os professores têm de ser dignificados é pouco, muito pouco mesmo...


Atenciosamente


Domingos Freire Cardoso





2 comentários:

  1. A carta do professor relata perfeitamente o que acontece da maioria das escolas públicas.
    "...a realidade escolar está numa sala de aula com alunos de carne, osso e odores e não num gabinete onde esses alunos são números num mapa de estatística e eu sei perfeitamente que o que o Governo quer são números para esse mapa..."
    Pena que a voz do docente quase nunca é ouvida...
    Por isso a importância da união, não é mesmo?

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  2. Concordo plenamente, somente a nossa união pode nos tirar desse caos.

    Acredito que a maioria desses problemas, em parte são responsabilidades dos docentes, pois deixamos o campo livre para os tecnólogos aventureiros, ao restringir a nossa prática únicamente á sala de aula. Temos que participar mais, é nosso dever e obrigação participar da elaboração da aplicação e da gestão das políticas educacionais, pois ninguém é mais capacitado do que nós para fazê-lo.

    Acho importante divulgar e compartilhar as nossas experiências, pois há muitos docentes que acreditam que esses problemas são casos isolados, infelizmente é um problema mundial causado pelos mesmos agentes, isto é a ganância empresarial que insiste em transformar a educação em uma mercadoria do gênero fast-food.

    Temos que ter consciência dessa realidade e conjugar as nossas forças para defender a educação, pois os nossos problemas são decorrentes do abandono e da canibalização da educação pública, nós e nossos alunos somos vítimas desse sistema perverso.Entretanto temos uma escolha, continuar de braços cruzados nos lamentando isoladamente ou nos unirmos e buscar soluções para o problema.

    Sozinhos nada podemos, mas juntos podemos fazer muito.

    Abraços

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