quarta-feira, 31 de março de 2010

O docente na perspectiva da mídia

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"CIDANIA, A GENTE NÃO VÊ POR AQUI"


A mídia brasileira, quando o assunto é cidadania, ainda se comporta como se estivesse no Brasil do século XIX, onde só os grandes proprietários tinham voz.
Confesso que não fiquei decepcionada com a matéria "Professores dão aula de baderna", publicada na Folha de São Paulo na coluna do Gilberto Dimenstein. Greve, protesto, exercício de cidadania para a nossa mídia, só ocorre no "primeiro mundo". Qualquer manifestação popular é descrita pela mídia, impressa, televisionada e eletrônica como "baderna" ou "tumulto", exceto quando os grandes produtores rurais bloqueiam rodovias estaduais e federais com seus tratores, a mídia notícia como protesto e o mais curioso ainda é que não há repressão policial. A "baderna", descrita nesta coluna, é um exercício de cidadania garantido pela Constituição, mas para a mídia, e para as autoridades o Brasil continua vivendo sob as barbas do imperador e trabalho é atividade para escravos. O único vestígio de modernidade está na substituição da chibata pelo cassetete e o spray de pimenta. Cidadania ainda é coisa de gente graúda, o povo só deve ir para as ruas somente quando as autoridades convocam.
Todos reconhecem que a qualidade da educação pública está péssima, faltam professores, o conteúdo nem sempre é compatível com os exames exigidos nas provas de vestibular e no ENEM. A educação pública não é gratuita, não é um favor nem uma caridade. Entretanto, a sociedade que desembolsa milhões em impostos, parece ignorar esses fatos, pois não reclama da péssima qualidade da educação que lhes é entregue.
Há professores desqualificados, desmotivados e omissos, mas a maioria dá o sangue para manter a escola, se o sistema ainda não faliu totalmente, deve-se exclusivamente aos professores e professoras que respeitam a sua profissão e o estudante, mesmo não sendo respeitados pelo sistema e pelos seus pupilos. É fácil transferir, na sua totalidade, para os ombros dos professores o fracasso e a baixa qualidade da educação. Mas pergunto: quem são os responsáveis pelas salas lotadas, pela falta de equipamentos, falta de condições das escolas e pela elaboração dos currículos escolares? Não são os professores, eles apenas executam pacotes educacionais que são elaborados nos gabinetes, bem longe das escolas.
Os professores e professoras reclamam e protestam contra esses absurdos, mas não são ouvidos pelas secretarias de educação, somente quando fazem greve, as autoridades e a população lembram-se da sua existência e da sua importância. É neste momento que a sociedade se lembra que o trabalho da categoria é importante. Se a educação caiu até chegar a esse ponto, a sociedade - estudantes e familiares - são responsáveis, pois em momento algum os vemos protestando e exigindo das autoridades uma melhoria do serviço que é pago com seus impostos. Não vejo estudantes e familiares, enviando mensagens para os jornais (impressos ou eletrônicos) reclamando, protestando ou denunciando as condições precárias da educação. Os sistemas de aprovação automática nos quais as crianças são promovidas de série, mesmo não tendo condições, foram implantados em diversos municípios e os estudantes e suas famílias se calaram.
Os professores reclamaram, mas os governantes não deram nenhuma atenção, pois eles não dependem só do voto dos professores para se elegerem, quem de fato os elege, por ser maioria, é a população. Se a população se organizar e fizer passeatas, atos públicos, cobrando dos administradores - vereadores, deputados, prefeitos, governadores, senadores e presidentes - seus representantes eleitos pelos seus votos, a educação pública vai ter qualidade.
Essa crise na educação também é resultado da passividade e subserviência dos estudantes. Mesmo no tempo da ditadura, os estudantes exerciam a sua cidadania, iam para as ruas, cobravam as autoridades, lutavam e defendiam os seus direitos, a educação não era perfeita, mas era bem melhor do que a que atualmente é ministrada.
É importante lembrar de que só a presença física do professor dentro da sala de aula não garante uma educação de qualidade, para que tal aconteça há que ter um envolvimento e um comprometimento por parte dos estudantes e de suas famílias. A educação é um trabalho de equipe, estudantes, pais e professores.
O baixo salário dos professores é um reflexo do desleixo para com a educação popular, pois o povo no imaginário da classe dirigente é um coitadinho que depende da caridade, assim sendo qualquer coisa serve. Olhem para os hospitais públicos, o sistema de transporte e encontrarão os mesmos problemas que existem na área de educação em função dessa mentalidade arcaica. A grande maioria dos dirigentes deste país, ainda estão no século XIX, a nação não tem povo, só escravos. Qualquer coisa serve, pois é um ato de caridade. E o povo aceita esse tratamento, talvez considerando o velho ditado popular que diz que "cavalo dado não se olha os dentes...".
No século XIX, os escravos eram impedidos de se manifestarem, vocês são livres, possuem educação e meios para se fazerem ouvir. O povo existe, é livre e não é coitado. Serviço público de qualidade é direito, pois pagamos por eles através dos impostos, portanto é nosso dever, cobrar qualidade, como também exigir dos nossos representantes o cumprimento de suas funções, afinal os elegemos para ADMINISTRAR os bens públicos.
É comum ver as pessoas dizerem que os professores ganham bem, mas não se vê a população se indignar e protestar quando os parlamentares aumentam os seus vencimentos ou desviam verbas, cabisbaixa a população se cala, finge que não vê, se esquece que é o seu dinheiro que esta sendo apropriado pelos seus representantes.
Acordem, o século XXI já chegou, o Brasil vive no regime democrático, a Constituição garante à população a livre manifestação, o exercício pleno da cidadania, estudantes o ECA os protegem. Quebrem as suas correntes e entrem no século XXI, vocês não são escravos, são pessoas livres. É isso que os professores em greve estão fazendo, exercendo um direito, atuando como cidadãos. Querem ver seus professores e professoras dentro de sala? Lutem, cobrem uma educação de qualidade dos responsáveis pela coordenação da educação em seus municípios e estados. Façam uma campanha e enviem e-mail para o prefeito, a câmara dos vereadores, dos deputados, para as secretarias de educação, para o governo federal e para o MEC - os endereços estão ao alcance de todos na Internet, basta entrar no Google e acessar - só parem a campanha, quando o problema for solucionado. A partir do momento que a educação for valorizada e conduzida da forma que deve ser, o salário do professor será digno, as escolas terão recursos e os estudantes das escolas públicas terão acesso às universidades públicas sem depender do sistema de cotas, exemplo típico da "caridade" que rende mais voto e desvia a atenção do povo para a baixa qualidade da educação básica da rede pública. Valorizem o dinheiro dos seus impostos exigindo uma educação de qualidade, tenho certeza que nunca mais vai haver professor e professora, fora de sala de aula sendo espancado pelas tropas de choque no asfalto.
Professores e professoras apoio a greve, pois entendo que a mesma é um exercício de cidadania, e que mesmo fora das salas, vocês continuam a ensinar, pois o exemplo também é um eficaz instrumento pedagógico.

Adaptação de comentário enviado para a Folha Online em 29.03.2010, referente à matéria “Professores dão aula de baderna" http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/gilbertodimenstein/ult508u712877.shtml escrita pelo jornalista Gilberto Dimenstein, publicada na Folha Online em 27/03/2010.

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